Apesar de não possuirem relações institucionais, os centros culturais da Bahia e de São Paulo dividem objetivos semelhantes
Quem passa pela Baixa dos Sapateiros, em frente ao Corpo de Bombeiros, no Centro Histórico de Salvador pode não imaginar, mas ali, num casarão colonial do século XVIII, bem de frente à Praça dos Veteranos, está sediado desde 1999, o Centro Cultural Casa de Angola na Bahia, uma iniciativa da Embaixada da Angola no Brasil.
A Casa que figura como um dos pólos de valorização da produção intelectual, cultural e artística de angolanos, africanos e afro-brasileiros, passará muito em breve por uma reforma, já autorizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan. A Alma Preta Jornalismo conversou com Benjamim Sabby, artista, produtor cultural e diretor da Casa de Angola na Bahia há cinco anos, a fim de compreender a relevância do espaço.
“Nós, de Angola, reconhecemos esses laços históricos que existem com o Brasil e reconhecemos – também – a importância da Angola ou dos angolanos que vieram, infelizmente escravizados para cá”, explica Sabby.
Uma pesquisa realizada em 2015 sobre o tráfico de pessoas escravizadas no Brasil, mostra que até o século XIX, por ano, a Bahia recebia cerca de cinco a oito mil pessoas escravizadas, a maioria de Angola. A tese é baseada em um banco de dados criado pela Universidade de Emory, em Atlanta, e ainda afirma que nos três primeiros séculos da colonização portuguesa, a Bahia recebeu 15% a mais de escravizados que o Centro-Sul.
Como angolano vivendo na cidade de Salvador, o diretor da Casa de Angola na Bahia afirma que, muitas vezes, esquece que não está em sua terra natal, “pela própria arquitetura e pelo clima que é muito parecido, então, não é por acaso que essa Casa está aqui”. Ele deixa claro que os laços entre angolanos e brasileiros, mais especificamente entre os soteropolitanos, é maior do que se possa imaginar.
De acordo com o gestor, hoje o principal objetivo do Centro Cultural é lembrar aos angolanos e aos brasileiros sobre a importância de “divulgar a cultura angolana que já é secular aqui no Brasil e também, contribuir para que esses laços de amizade, e culturais sejam mais presentes”.
Breve história de Angola e sua relação com o Brasil
Angola é um país do sul do continente africano, constituído de 18 províncias, sendo Luanda sua capital. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência do país ocorrida em 1975. Cinco anos depois, em 1980, assinou o Acordo Geral de Cooperação Econômica, Técnico-Científica e Cultural, que constitui as bases do desenvolvimento e colaboração entre as duas nações, antes colônias portuguesas.
Segundo aponta a Embaixada de Angola no Brasil, estima-se atualmente que existam 10 mil cidadãos da diáspora angolana no estado brasileiro e ela está majoritariamente concentrada em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Para levar a história do país aos baianos, Benjamim Sabby, gestor da Casa de Angola na Bahia, faz questão de desenvolver atividades com adolescentes e jovens em período escolar. “A gente tem com alguma regularidade palestras – com diversos especialistas angolanos – aqui, mas também recebemos palestrantes brasileiros que venham a falar da relação dessa ‘África fora da África’, que existe cá”, completa.
A instituição possui uma biblioteca com rico acervo e mais de 9 mil obras entre livros acadêmicos, literatura angolana, africana e universal, um museu permanente, com peças do acervo do Museu Nacional de Antropologia de Angola, auditório, jardim onde já ocorreram diversos lançamentos de livros e uma sala de exposições temporárias, atualmente, com a exposição da artista plástica baiana oriunda do subúrbio ferroviário de Salvador, Annia Rízia, intitulada ‘Bahia, África do lado de cá’.
Annia Rízia, artista plástica baiana | Foto: Iago Augusto
Para Rízia, suas obras retratam um levante da autoestima do povo negro. “Marcus Garvey fala sobre a importância de nós, enquanto raça poderosa, nos levantarmos. Como mulher preta, o meu levante é trazer esse pensamento político e empoderador, através da representação positiva do nosso povo”.
As obras contam com a interpretação de máscaras de várias regiões do continente africano, incluindo a máscara Cokwé Mwana Mpó, de povos do norte de Angola. A exposição ficará aberta ao público até dia 31 deste mês e contou com a curadoria de Benjamim Sabby.
Conheça também o Centro Cultural Casa de Angola em São Paulo
Em São Paulo capital, um grupo de amigos angolanos resolveu criar de forma independente um espaço também intitulado de Centro Cultural Casa de Angola. A organização idealizada por Isidro Sanene é mantida através da iniciativa privada mas com objetivos semelhantes à Casa de Angola na Bahia. Desde setembro de 2022, a Casa está localizada no Parque da Mooca.
“Um dos principais objetivos do Centro Cultural Casa de Angola São Paulo é de fortalecer os laços culturais entre Brasil e Angola. É trabalhar com a reconexão ancestral, de modo que esta casa possa promover a cultura de Angola, uma vez que o Brasil é praticamente um país irmão de Angola”, explica Sanene.
“Para nós é muito importante estar na cidade de São Paulo, porque São Paulo é onde tem a maior comunidade angolana no Brasil e uma das maiores comunidades africanas do Brasil. Então, sendo uma metrópole, eu creio que é legítimo ter esse espaço para poder fomentar a questão da cultura africana”, completa.
Além de exposições que são exibidas na Casa de Angola em São Paulo, muitos cursos são lecionados no espaço, como cursos de línguas africanas. Entre outras temáticas abordadas, estão o empreendedorismo, filosofia africana e muito mais. Isidro Sanene relata que como sendo um espaço de iniciativa privada em São Paulo, a casa recebe ajuda institucional do Consulado e este apoio tem contribuído com a manutenção do espaço.